domingo, 25 de maio de 2008

Eu, livreiro

4.
Os meses que se seguiram foram difíceis tanto onde eu morava com minha mãe, na casa de família, quanto na escola, onde eu ía muito mal nas matérias exatas e precisava me esforçar muito para entender aquela maldição de números e equações. Minha relação com minha mãe era a pior possível naquela época. Não nos entendíamos de jeito nenhum e toda a situação, de morar numa casa que não era sua, de conviver com pessoas que não eram sua família, a concretude mesmo da relação entre classes iludida por todo um bem estar ao redor forjado como ambiente, tudo isto me deixava confuso. Os livros foram meu primeiro e principal aliado na arte do desaparecimento. Ler era a experiência da invisibilidade e a medida que fui avançando fui me tornando cada vez mais perigoso para mim mesmo. Meu primeiro emprego então, no sebo do Jorge, foi um banho de água fria nas minhas fantasias mais estranhas naquela idade, e ao mesmo tempo foi uma âncora de ar puro, de possibilidade mesmo de alguma coisa acontecer fora do circuito apertado em que estava. Porque o baiano era um escroto de pedigree, dinâmico e muito claro quanto ao espaço que o cercava, nem sempre seguro por não ter mais do que algumas informações básicas sobre os livros, mas não estúpido a ponto de não cativar quem quisesse e não ganhar seu dinheiro em paz. O que aprendi foi que o trabalho com livros era uma urgência em sempre ganhar dinheiro e aprender cada vez mais ouvindo .
__ Quase sempre é questão de ouvir, ouvir o que querem, o que sabem, e mais aínda o que pensam que sabem. Nem sempre é legal ficar aqui fazendo as coisa e ficar ouvindo papo furado, mas é bom pegar o que ouviu e jogar prá frente e ver no que dá. Aprende a conversar.
Ele lia lá suas coisas, é verdade. Krishnamurti, Rajneesh(mais tarde Osho) e outros gurus. Não lia romances, não gostava de poesia, de filosofia queria distância e de História só uma biografia e outra. Com os anos entendi que em matéria de leituras meu Mestre era como a grande maioria dos leitores. Mas o que aprendi com ele foi um dos princípios básicos que fazem de uma pessoa que trabalha com livros ser um livreiro sem ter de ser necessáriamente um intelectual, ele sabia conduzir uma pessoa numa conversa ao ponto de aprender sempre alguma informação nova. Dentro dessa simplicidade ele, um simples comerciante, aprendia a ler os livros mais difíceis, os volumes mais escabrosos poderiam ser comentados para outras pessoas com eficácia, tudo para vender, um comerciante livreiro. Minha primeira grande lição foi ser um comerciante e isso foi um desafio e tanto para um moleque que começava a achar que alguma coisa estava muito errada no mundo. Isso sem falar de mim mesmo.

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